quarta-feira, 29 de outubro de 2008

PETER BURKE SABE DAS COISAS


Logo que iniciou o Outubro participei de uma verdadeira aula de erudição com Peter Burke em pessoa.

A maior novidade, além dele falar por quase duas horas sem consultar uma linha de disrcurso, foi a transmisão sumultãnea para o português.

Abaixo a matéria Publicada no site da ECO UFRJ para quem perdeu o imperdível historiador.

EA




Encontros Acadêmicos

Peter Burke comanda viagem pela história da Comunicação

FELIPE DE CARVALHO
Estagiário de Jornalismo FCC/UFRJ

O seminário internacional Comunicação e História, que propôs a análise das tensões e articulações entre esses dois campos, convidou para a palestra de abertura o renomado professor Peter Burke (foto). Formado em História pela Universidade de Oxford, ele foi apresentado pela professora Ana Paula Goulart como um “interlocutor fundamental nos estudos relativos à cultura”.

Foto: Eneraldo Carneiro

Após agradecimentos, Burke iniciou apresentação rica em detalhes sobre a história da Comunicação. Citando eventos ocorridos em diversas partes do globo, o professor mostrou o sucesso da dominância de quatro sistemas: oral, escrito, impresso e eletrônico. Além de apontar conseqüências dessa série de revoluções na comunicação, Peter Burke argumentou que os novos meios não anulam os antigos, eles competem, interagem e se misturam.

Começando pelo sistema oral, o historiador fez referência ao poeta grego Homero e, baseado em pesquisas, afirmou que a Odisséia e a Ilíada podem ter sido compostas oralmente. Burke também ressaltou a importância da comunicação oral na esfera religiosa. O Corão - livro sagrado do Islã - significa “recitação” e desde a infância os muçulmanos o declamam em voz alta. Já os Vedas – textos sagrados do Hinduísmo – por muito tempo foram transmitidos apenas oralmente, pois não era permitido que fossem escritos. Outras instituições culturais que valorizavam o intercâmbio oral eram os cafés, na Europa, e as casas de chá, na China, locais onde era praticada a arte da conversação.

Para contar o surgimento da escrita o professor citou os hieróglifos egípcios, os ideogramas chineses, os pictogramas maias e a escrita cuneiforme babilônica. Inclusive esta última, que data de 3 mil a.C, foi realizada em tábuas de argila, material durável que preserva os arquivos até hoje. Por outro lado, o papiro e o papel não possuem tanta durabilidade, mas são de fácil transporte, ao contrário das pesadas tábuas. Burke ressaltou que esses dois tipos de suportes serviam a lógicas culturais distintas. Enquanto a argila se liga a formas religiosas de organização que pretendem preservar tradições e manter vínculos com o passado, o papel favorece a comunicação rápida, estabelecendo relação com o espaço e não com o tempo.
Peter Burke, Micael Herschman e Ana Paula Goulart Foto: Eneraldo Carneiro

A escrita teve reflexos profundos nas religiões, possibilitando a ascenção e disseminação das escrituras, e na política, favorecendo o surgimento de documentos ligados à organização burocrática e democrática do Estado. Peter Burke também comentou estudos que indicam a relação do alfabeto com o pensamento abstrato e com a atitude crítica em relação às idéias.

De acordo com Burke, a revolução que deu origem a imprensa não foi mérito exclusivo de Gutenberg, pois na China e na Coréia já haviam tipos móveis de impressão. A diferença é que na Europa a imprensa se tornou um empreendimento livre e comercial, impulsionado pela grande oferta de papel e pela demanda crescente por leitura. Dentre outras conseqüências, essa revolução ajudou a padronizar línguas, minou monopólios de conhecimento e incentivou críticas e revoltas contra governos e instituições.

Ao discorrer sobre a última era, a “idade elétrica”, Burke identificou cinco estágios: telégrafo, filme, rádio, TV e internet. O primeiro funcionou como auxílio da imprensa e aumentou a velocidade da informação. O filme e o rádio incentivaram o retorno da oralidade e da imagem. No caso do rádio, por exemplo, muitos governantes como Roosevelt, Hitler, Getúlio Vargas viram a oportunidade de angariar apoio popular por meio de discursos e programas. Este veículo também favoreceu a padronização da língua falada, assim como a imprensa fez com a escrita.

Já a TV combinou vantagens do filme e do rádio e, portanto, é capaz de disseminar notícias e de contar histórias. Como possui alcance doméstico e internacional difunde estilos de vida em escala equivalente ao cinema.
Foto: Eneraldo Carneiro

Com a chegada da internet, deixa de vigorar o “Estado do papel”, pois os arquivos passam a ser armazenados em mídias digitais. Burke observou também que os novos meios interativos do espaço virtual se aproximam da era da oralidade e do manuscrito, pois para escribas e poetas era fundamental a interação com o público. O professor enxerga nas mídias digitais tanto a oportunidade de uma “ciberdemocracia” quanto o risco de uma “ciberditadura”.

Burke encerrou a conferência dizendo que “temos que nos ajustar as mudanças, e é isso que estamos tentando fazer hoje com este seminário”. Após fornecer rico panorama, o professor inglês fez ainda um esforço para ler e responder em português as perguntas do público.

O pesquisador, que possui mais de 30 livros publicados - muitos deles referências para estudantes de Comunicação -, disse que “tenta transmitir o conhecimento através de todas as diferentes mídias porque cada uma atinge de um jeito diferente”. Não é á toa que Burke participou da conferência oral com a mesma boa vontade com que autografou livros de sua autoria.