Um passeio instigante nas idéias de MORIN
"Um ensaio é antes de tudo
uma oportunidade de
convite para uma viagem,
que continua conforme o
desejo do passageiro
em fundar novas rotas do conhecimento "
EA.
EDGAR MORIN realizou uma viagem fantástica com o seu ensaio "CULTURA E BARBÁRIE EUROPÉIAS", que a Editora Bertrand Brasil nos presenteou em 2009.
São 108 páginas de belas ruínas, revoluções e encantamento. Tudo produzido pelo choque das idéias transcritas de três conferências realizadas na Biblioteca François- Mitterrand, em maio de 2005.
O capítulo abaixo muito nos interessa, pois ele nos reconduz a discussão do Séc. XVIII e avança sobre o XIX e...
Um aviso aos navegantes: o compartilhamento reduzido do Capítulo II não impede uma ampla viagem, uma reflexão maior da questão racionalidade. Embora uma redução, elae possibilita uma crítica mais sofisticada da condição refletida das Luzes e para adiante dela.
Morin é um farol, auxilia para muito além da nossa disciplina num caminho para entender a nossa relação com a vida via ocidente. Os avanços e recuos, as nossas posições diante das paisagens( que se alteram a todo momento), nos propondo a pensar o futuro refletindo sobre o passado. Que assim seja SEMPRE!
Um bom fim de semana!
E.A
p.s; O livro CULTURA E BARBÁRIE EUROPÉIAS é um belo presente para si mesmo, para presentear e para compartilhar com gente interessada.
Gente de mentes e corações abertos, pronta para se arriscar e aprender sempre mais, numa viagem(busca) sem fim ao conhecimento, é um imenso prazer compartilhar em qualquer parte do globo terrestre. Boa viagem!
CULTURA E BARBÁRIE EUROPÉIAS
CAPÍTULO II
- Os antídotos Culturais Europeus(parte)
"(...) No séulo XVIII, durante o iluminismo, a racionalidade é antes de tudo crítica e ela debruça-se sobre as religiões, consideradas a matéria que que são feitos os mitos e reflexões.
Essa crítica é redutora. Ela ignora o que Marx destacará mais tarde, o fato de que a religião é como o suspiro de uma criatura infeliz, o viés pelo qual se expressam as mais profundas aspirações humanas.
O espírito humanista das luzes vai encontrar sua formulação na Declaração Universal do Direitos do Homem e do cidadão, mensagem em que aderiram com mais força os aristocratas do que a burguesia, como mostrou François Furet.
Na noite de 4 de agosto, os aristocratas, por decisão própria, abandonaram seus privilégios.
A razão, durante a época que marca o seu triunfo, ostenta, no entanto, aspectos diferentes. A razão científica constrói as teorias.
Mas essas teorias, aparentemente fundadas em dados coerentes, podem ser manchadas pela "racionalização", por uma visão excessivamente lógica, que só leva em consideração o que a confirma.
Laplace, por exemplo, injeta racionalização no interior da ciência.
Ele propõe uma visão inteiramente determinista do universo, num contexto, é claro, totalmente laicaizado: para isso, postula a existência de um demônio dotado de poderes superiores que seria capaz não apenas de conhecer todos os eventos do passado mas prever todos os eventos do futuro.
Quando Napoleão o indaga: ''E Deus onde ficaria?'' , Laplace responde: ''Não preciso dessa hipótese".
A concepção de Laplace era uma racionalização extrema da racionalidade newtoniana.
Hoje percebemos que no universo nem tudo pode ser reduzido ao determinismo.
EXISTE, portanto, uma racionalidade crítica que evita as armadilhas da racionalização, uma racionalidade autocrítica que associa razão, conhecimento e auto-análise.
As doenças da razão não se explicam pela própria racionalidade, mas pela sua perversão em racionalização e pela sua quase-deificação.
A instrumentalização da razão, colocada a serviço, por exemplo, de objetivos totalmente irracionais e bárbaros como a guerra, participa de um outro tipo de racionalização.
Com efeito, o que devemos ver por trás de toda racionalização é, para além da ausência de pensamento crítico e autocrítico, o esquecimento que Rousseau de sensibilidade e que é o esquecimento da nossa própria natureza.
Presente em Rousseau, a natureza foi, apesar de tudo, ignorada pelo iluminismo. Tudo isso vai mudar com o romantismo.
O primeiro romantismo é uma repoetização do universo; ele responde a uma nostalgia da comunidade, uma idealização da Idade Média.
MAS essa nostalgia do passado vai se transformar alguns anos depois numa aspiração ao futuro libertador, traduzido por Lamartine e Victor Hugo, que fazem simbiose entre o espírito romântico e o espírito das Luzes.
Lamartine foi um dos heróis da revolução de 1848, a que acrescentou a palavra "Fraternidade" aos dois primeiros termos da Revolução Francesa.
Quanto a Victor Hugo, com seu espírito visionário, já imaginava os Estados Unidos da Europa, prelúdio ao Estados Unidos do mundo. Essa época reaviva os direitos do homem, os direitos dos povos, os direitos da humanidade, especialmente sob a influência do pensamento socialista.
No século XIX se opera uma espécie de fermentação. com Fourier, Leroux, Proudhon, os jovens hegelianos, Stirner, o teórico da anarquia, e por fim Marx. Marx faz uma notável síntese filosófica e intelectual em nome desse florescimento humano que se encontra em gestação no socialismo. O qual é uma inspiração universalista por mais liberdade e igualdade. Mas seu pensamento pode ser qualificado de pós-marrano,
DE FATO, é um messianismo judaico-cristão laicizado que está no cerne da concepção.
O proletário industrial torna-se um messias, a revolução, um apocalipse, e a sociedade sem classes, a salvação da Terra.
A maioria dos marxistas acreditou que praticava a mais total racionalidade, sem perceber que praticava uma religião da salvação terrena.
A tendência à universalização do humanismo europeu se instala no centro dessa esperança socialista, com a criação da Internacionais- embora sua organização permaneça limitada aos países europeus dominantes e aos Estados Unidos da América .
Mesmo assim, na maior parte do mundo ocidental permanece a idéia de que a racionalidade é um privilégio e o monopólio dos ocidentais.
MORIN, Egdar . CULTURA E BARBÁRIE EUROPÉIAS, pág. 55 a 58. Bertrand Brasil- São Paulo-2009.
QUEM É MORIN?