quinta-feira, 10 de março de 2011

Gal Costa - Negro Amor (It's All Over Now, Baby Blue)


Gal Costa-Negro Amor (It's All Over Now, Baby Blue) (Caetano Veloso/Péricles Cavalcanti/Bob Dylan) Universal Music

Álbum:"Caras e Bocas" (1977)

Negro Amor

Gal Costa

Composição: Bob Dylan / Versão Péricles Cavalcante e Caetano Veloso

Vá, se mande, junte tudo que você puder levar
Ande, tudo que parece seu é bom que agarre já
Seu filho feio e louco ficou só
chorando feito fogo à luz do sol
Os alquimistas já estão no corredor
e não tem mais nada negro amor

A estrada é pra você e o jogo é a indecência
junte tudo que você conseguiu por coincidência
e o pintor de rua que anda só
desenha maluquice em seu lençol
sob seus pés o céu também rachou
e não tem mais nada negro amor

Seus marinheiros mareados abandonam o mar
seus guerreiros desarmados não vão mais lutar
seu namorado já vai dando o fora
levando os cobertores? E agora?
até o tapete sem você voou
e não tem mais nada negro amor
e não tem mais nada...

As pedras do caminho deixe para trás
esqueça os mortos que não levantam mais
o vagabundo esmola pela rua
vestindo a mesma roupa que foi sua
risque outro fósforo, outra vida, outra luz, outra cor
e não tem mais nada negro amor
e não tem mais nada negro amor
e não tem mais nada negro amor

Ivan Lins - Abre Alas


Apare os teus sonhos que a vida tem dono e ela vem te cobrar/ Não corra o risco de ficar alegre pra nunca chorar /Encoste essa porta que a nossa conversa não pode vazar/.Bandeira arriada, folia guardada pra não se usar
A festa não era assim, não era assim .
Ivan Lins / Vítor Martins
P.S.definitivamente.


IMPULSO tecnológico da Revolução Industrial

Substituímos o telégrafo da primeira Revolução Industrial(iniciada em 1780)pelo google, como instrumento de comunicação a partir do final do século XX.

Durante o século XIX era assim que as notícias chegavam.

Machado escreve poeticamente sobre a morte de Carlos Gomes, por exemplo...


TODA ESTA SEMANA foi feita pelo telégrafo. Sem essa invenção, que põe o nosso século tão longe daqueles em que as notícias tinham de correr os riscos das tormentas e vir devagar como o tempo anda para os curiosos, sem essa invenção esta semana viveria do que lhe desse a cidade. Certamente, uma boa cidade como a nossa não deixa os filhos sem pão; fato ou boato, eles teriam algo que debicar. Mas, enfim, o telégrafo incumbiu-se do banquete.

A maior das notícias para nós, a única nacional, não preciso dizer que é a morte de Carlos Gomes. O telégrafo no-la deu, tão pronto se fecharam os olhos do artista e deu mais a notícia do efeito produzido em todo aquele povo do Pará, desde o chefe do Estado até o mais singelo cidadão. A triste nova era esperada – não sei se piedosamente desejada. Correu aos outros Estados, ao de S. Paulo, à velha cidade de Campinas. A terra de Carlos Gomes deseja possuir os restos queridos de seu filho, e os pede; São Paulo transmite o desejo ao Pará, que promete devolvê-los. Não atenteis somente para a linguagem dos dous Estados, um dos quais reconhece implicitamente ao outro o direito de guardar Carlos Gomes, pois que ele aí morreu, e o outro acha justo restituí-lo aquele onde ele viu a luz. Atentai, mais que tudo, para esse sentimento de unidade nacional. que a política pode alterar ou afrouxar, mas que a arte afirma e confirma, sem restrição de espécie alguma sem desacordos, sem contrastes de opinião. A dor aqui é brasileira. Quando se fez a eleição do presidente da República, o Pará deu o voto a um filho seu, certo embora de que lhe não caberia o governo da União; divergiu de S.Paulo. A república da arte é anterior às nossas constituições superior às nossas competências. O que o Pará fez pelo ilustre paulista mostra a todos nós que há um só paraense e um só paulista que é este Brasil.

Agora que ele é morto, em plena glória, acode-me aquela noite da primeira representação da Joana de Flandres, e a ovação que lhe fizeram os rapazes do tempo, acompanhados de alguns homens maduros, certamente, mas os principais eram rapazes, que são sempre os clarins do entusiasmo. Ia à frente de todos Salvador de Mendonça, que era o profeta daquele caipira de gênio. Vínhamos da Ópera Nacional, uma instituição que durou pouco e foi muito criticada, mas que, se mereceu acaso o que se disse dela, tudo haverá resgatado por haver aberto as portas ao jovem maestro de Campinas. Tinha uma subvenção à Ópera Nacional; dava-nos partituras italianas e zarzuelas, vertidas em português, e compunha-se de senhoras que não duvidavam passar da sociedade ao palco, para auxiliar aquela obra. Cantava o fundador, D. José Amat, cantava o Ribas, cantavam outros. Nem foi só Carlos Gomes que ali ensaiou os primeiros vôos; outros o fizeram também, ainda que só ele pôde dar o surto grande e arrojado...

Aí estou eu a repetir cousas que sabeis – uns por as haverdes lido, outros por vós lembrardes delas; mas é que há certas memórias que são como pedaços da gente, que não podemos tocar sem algum gozo e dor, mistura de que se fazem saudades. Aquela noite acabou por uma aurora, que foi dar em outro dia, claro como o da véspera, ou mais claro talvez; e porque esse dia se fechou em noite, novamente se abriu em madrugada o sol, tudo com uma uniformidade de pasmar.

Afinal tudo passa, e só a terra é firme: é um velho estribilho do Eclesiastes, de que os rapazes mofam, com muita razão, pois ninguém é rapaz senão para ler e viver o Cântico dos Cânticos, em que tudo é eterno. Também nós ríamos muito dos que então recordavam o tempo em que foram cavalos da Candiani, e riam então dos que falavam de outras festas do tempo de Pedro I. É assim que se vão soldando os anéis de um século.

Ao contrário, a história parece querer dessoldar alguns dos seus anéis e deitá-los ao mar – ao Mar Negro, se é certo o que nos anuncia o mesmo telégrafo, portador de boas e más novas. Não trato da deposição do sultão, conquanto o espetáculo deva ser interessante; eu, se dependesse de uma subscrição universal, daria meu óbulo para vê-lo realizado com todas as cerimônias, tal qual o Doente imaginário. A diferença entre a peça francesa e a peça turca é que o homem doente parece doente deveras, — semilouco, dizem os telegramas. As deposições da nossa terra não digo que sejam chochas, mas são lúgubres de simplicidade. O teatro de Sergipe está agora alugado para essa espécie de mágica; não há quinze dias deu espetáculo, e já anuncia (ao dizer do País) nova representação. As mágicas desse teatro pequeno, mas elegante, compõem-se em geral de duas partes – uma que é propriamente a deposição, outra que é a reposição. Poucos personagens: o deposto, o substituto, coros de amigos. Ao fundo a cidade em festa. Este ceticismo de Aracaju, rasgando as luvas com aplausos a ambos os tenores. Não revela da parte daquela capital a firmeza necessária de opinião. Tudo, porém, acharia compensação na majestade do espetáculo; infelizmente este é pobre e simples; meia dúzia de homens saem de uma porta, entram por outra, e está acabado. É uma empresa de poucos meios.

Que abismo entre Aracaju e Istambul! Que diferença entre as duas portas sergipenses e a Sublime Porta! Lá são as potências que depõem, presididas pelo pontífice do islamismo, tudo abençoado por Alá e por Maomé, que é profeta de Alá. Nas ruas sangue, muito sangue derramado, sangue de ódio e de fanatismo. Ouvem-se rugidos da Ilha de Creta e da Macedônia. Na platéia o mundo inteiro. Mas o principal não é isso. O principal espetáculo, o espetáculo único, é o desmembramento da Turquia, também notificado pelo telégrafo. Esse é que, se se fizer, dará a esse século um ocaso muito parecido com a aurora. Os alfaiates levaram muito tempo a medir e cortar a bela fazenda turca para compor o terno que a civilização ocidental tem de vestir; e por que as medidas políticas diferem das comuns, vê-lo-emos talvez brigar por dous centímetros. As tesouras brandidas; e, primeiro que se acomodem, haverá muito olho furado. O desfecho é previsto; alguém ficará com um pano de menos, mas a Turquia estará acabada, e a história terá dessoldado alguns elos que já andavam frouxos, se é que isto não é continuar a mesma cadeia.

Pode suceder que nada haja, assim como não voará o castelo do Balmoral, com a rainha Vitória e o czar Nicolau dentro. Esta outra comunicação telegráfica desde logo me pareceu fantástica; cheira a imaginação de repórter ou de chancelaria. Nem é crível que tal tragédia se represente às barbas da sombra Shakespeare, sem este seja consultado quando menos para lhe pôr a poesia e os relatórios policiais não têm.

Enfim, melhor que atentados, deposições e desmembramentos, é a notícia que nos trouxe o telégrafo, ainda o telégrafo, sempre o telégrafo. Porfírio Diaz abriu o congresso mexicano, apresentando-lhe a mensagem em que anunciava a redução dos impostos. Estas duas palavras raramente andam juntas; saudemos tão doce consórcio. Só um amor verdadeiro as poderia unir. Que tenham muitos filhos é o meu mais ardente desejo.


FOTO: MACHADO DE ASSIS, POR MARC FERREZ

Machado de Assis, in A SEMANA, 20 setembro de 1896
Fonte:
Machado de Assis, Obra Completa, vol. III, Rio de Janeiro:
Editora Nova Aguilar, 1994.