terça-feira, 19 de agosto de 2008

21 anos de "BREJO CULTURAL"



" A M a i o r i d a d e
do artigo
P e r g u n t e a o B r e j o"

(Caderno B, JORNAL DO BRASIL, 27/01/1987)

Numa daquelas tardes da ilha de calor que é Realengo, escrevi um artigo(levado de bandeja pelo Roni Lima para o Editor do B, Joaquim Ferreira dos Santos), que pertendeu discutir a política cultural da cidade. O artigo foi elogiado por gente boa do meio, Tuty Vasquez, Jamari França, Jota Carlos... O tempo passou... Mas não imaginava que As Lonas Culturais(hoje uma dezena) fossem se transformar num bom negócio para "os donos desses espaços," atrelados ao poder e a vontade da mais desastrosa política cultural -que essa cidade já viu! Agora, imaginem só... 5 0 0 M I L H Õ E S gastos com a "C i d a d e da M ú s i c a", quantas orquestras jovens poderiam ser finaciadas dentro das comunidades pobres? Quantos instrumentistas poderiam aparecer e obter finaciamento público e em parceria com empresas? Como acontece em São Paulo, ou na Venezuela, bem aqui do lado. Enfim... Quantos locais poderiam ser libertados da quase indigência cultural? Quantos meninos e meninas, vítimas preferencias da violência, poderiam ser salvos de um massacre diário?
E.A
p.s; ?


" P E R G U N T E A O B R E J O "

Sou suburbano há 25 anos, ou seja, desde que nasci. Conheço todos os recantos sem sem exceção. Mas estou entediado de ficar sentado nos bancos das nossas poucas praças desarborizadas, assistindo à banda passar a caminho da Zona Sul. Apesar de tudo, produzimos cultura(pichamos paredes, fazemos roques e pagodes), mas não temos nenhum espaço cultural para mostrar a nossa cara, que muitos ainda imaginam suja de farofa.
Situe-se: a 1 mil 24 metros de altitude, está o Pico da Pedra Branca -na Zona Oeste da cidade - Bangu e Realengo, o subúrbio e suas pessoas fervilham sob um calor de 40 graus no verão. Sempre com a máxima na temperatura, garantimos o espaço diário na imprensa: Tempo bom, visibilidade boa, e ocasionalmente moderada. 'Máxima em Bangu..."
Aqui, jovens de 14 a 24 anos se acotovelam nos índices do IBGE. No censo de 80, eles já somavam uma das maiores concentrações nessa faixa de idade na América Latina. Hoje, esse número já ultrapassa os 120 mil- e tende crescer, pois as pílulas anticoncepcionais continuam sendo objetos não identificados.
No entanto, quem são essas pessoas que se amontoam no precário transporte suburbano- analisadas pela teleobjetiva do IBGE? Sem querer molhar o leitor numa chuva de dados- ou afogá-lo num purê de classes com galinha, farofa e números- vou logo abrindo o jogo com vocês, que não conhecem o outro lado da moeda- ou do túnel- por não serem suburbanos irrecuperáveis como eu.
Devido a sua alma atormentada - seus buracos, sua falta de saneamento básico, dificuldade de transporte etc - o subúrbio está descobrindo que tem o direito de exigir uma melhor qualidade de vida. Não se iludam, temos quintais, mas não queremos ser América Central de ninguém.

ALô , ALô, Realengo

Muito prazer em desconhecê-lo. Realengo foi um engenho de cana- de- açúcar nos tempos do Império. Dom Pedro I (aquele do "se é assim deixa que eu fico") costumava passar por aqui, seguindo para São Paulo , sempre com azeite fervendo nas veias, por uma certa Marquesa de Santos. Se fosse hoje, teria de enfrentar os engavetamentos da Dutra.
Ele gostava daqui, chegou até mesmo a plantar palmeiras imperiais e, num arroubo de elegência monárquica, resolveu chamar o lugar de Real Engenho- os escravos babaram! Mas o nome não pegou, como acabou acontecendo com a monarquia.
Agora, também somos conhecidos como gente de um lugar onde bombas salpicam do céu, sem endereço certo. Elas podem cair a qualquer momento, deixando cinzento o quadro bucólico de paz camuflada de verde-oliva. Dormimos pedindo a Deus e ao exército uma melhor pontaria, aqui na terra como no céu. Não existem abrigos antiaéreos próximos dos campos de manobras do Gericinó. Acho que vocês pensam que aqui não existe gente como a gente. É natural, vocês só estão acostumados com os foquetes que estouram, em Copacabana, na noite do Ano Novo. Você nao sabem o que estão perdendo.

OBUSES À PARTE

Por isso, o formigueiro treme de energia e medo. Um garoto heavy-metal, meu vizinho, aplaca sua ira- sua forma de abafar o sentimento de desprezo- numa guitarra barulhenta, vibrando o prédio onde moro. Grafiteiros estão em toda parte. O spray de uma dessas gangs- A Nazista- não perdoa. Não existe muro limpo que dure tempo suficiente para ser fotografado. Todo mundo quer se expressar- e não importa a maneira.
Esse exército de pichadores- do tamanho do exército regular brasileiro- age de várias formas, invadindo bares, praças, clubes, num ininterrupto vaivém noturno. Nem adianta chamar a Funai, ninguém vai para casa. São todos carentes, esquecidos das benesses do estado, que não destina verba para os grupos culturais da região- os parcos com asas.
Esperamos que a lona da prefeitura- que iniciou um projeto de circo cultural, na Ilha do Governador, para que a comunidade pinte e borde à vontade- aterrize por aqui, sensibilizada pelos números do IBGE. Vocês não sabem o que é isso, como diria Lorca: "quem nada em água doce não imagina o que é sede."

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