sábado, 2 de agosto de 2008

UMA ABORDAGEM CULTURAL DE MONTESQUIEU


O ESPÍRITO DAS LEIS
E A DENSIDADE DO
FUNDO DA BASE FACTUAL
EM MONTESQUIEU

Eduardo Affonso


O escritor francês Montesquieu (1689-1775), autor de Cartas Persas (1721), Considerações Sobre Causas da Grandeza dos Romanos (1734) e do Espírito das Leis (1748), sendo este último livro obra inspiradora dos redatores da constituição de 1791, que tornou-se a fonte das doutrinas constitucionais liberais as quais repousam na separação dos poderes legislativo, executivo e judiciário.

O ESPÍRITO DAS LEIS
Uma abordagem cultural

Segundo Clifford Geertz (1978), o conceito de cultura tende a tantas generalizações que acaba gerando uma cultura de significados. Contra essa tendência a qual chama de “pantanal conceitual” ele argumenta da seguinte forma:

O conceito de cultura que eu defendo (...), é essencialmente semiótico. Acreditando como Max Weber, que o homem é um animal amarrado a teias de significados que ele mesmo teceu, assumo a cultura como sendo essas teias e a sua análise; portanto, não como uma ciência experimental em busca de leis, mas como uma ciência interpretativa, à procura do significado. (p. 15).

Concebida como um texto cujo significado sujeita-se a diferentes interpretações, uma cultura, então, é passível de diferentes leituras. Desse modo, a abordagem de Montesquieu sobre o Espírito das Leis apresenta-se como uma leitura possível dentre tantas outras de sociedades particulares, porém ao tentar generalizações perde-se em meio ao já referido “pantanal conceitual”.
Vejamos como isso ocorre. O esquema conceitual de montesquieu é sustentado por uma moldura histórica que revela o nascimento da ideologia liberal que irrompia em sua época, assim como pela sua condição social que lhe fora atribuída por seu título de nobreza. A política liberal que se instaurava nesse momento afirmava o direito do indivíduo de seguir sua própria determinação, o que vinha a afigurar-se como fundamento das relações sociais[1], embora sofresse limitações impostas pelas normas definidoras da ordem econômico-social estabelecida.
A grande contradição da linha de argumentação de Montesquieu declina de sua fragilidade ao ditar o liberalismo como um tratado acabado, uma lei universal, decorrente da correlação entre a natureza (clima, relevo) e, instituições, sujeitas a rupturas esporádicas. O desenvolvimento do liberalismo nos séculos XVIII e XIX, desafiando o Estado monarquista, aristocrático e religioso, tem como resultado a implantação de governos parlamentares e constitucionais, marcando claramente uma separação do clero e da monarquia. Mais tarde, já no século XX, nações de orientação liberalista como por exemplo aquelas que formavam o Reino Unido, mas também os Estados Unidos, aceitaram a intervenção do Estado para corrigir injustiças sociais ou mesmo formas de protecionismo econômico, enfrentando a oposição de não liberais.
Um exemplo cabal está na dinâmica de ruptura democrática dos anos 60/70, onde a prosperidade das democracias ocidentais esteve o tempo todo ameaçada abaixo da linha do equador com golpes de estado e intervenções pipocando aqui e ali, em quase toda América Latina. En passant para citar: Brasil (1964), República Dominicana (1965), Chile (1973), Argentina (1976), levando ao exílio milhares de cidadãos. Esta nova particularidade torna-se sistêmica e vai costurar todas as relações entre as nações fora do bloco desenvolvido, em Estados liberais que não chegaram a oferecer minimamente as suas populações formas eficazes de dirimir o impacto da pobreza e muitos deles, principalmente na América Latina e África, com casos isolados no próprio seio do liberalismo (Portugal e Grécia), viveram longos períodos de regimes de exceção com a quebra do Estado de Direito. Mas, todavia, faz-se mister debruçarmo-nos sobre a concepção do conteúdo do Espírito da Leis analisando-o sob a luz das referências teóricas da Sociologia e da Antropologia modernas visando, ainda que modestamente, qualificar as idéias (luzes) de Montesquieu através da análise das contradições teóricas presentes em sua obra magna.
Precisamos primeiramente entender o que Montesquieu entende por leis universais para então ver como elas tendem a conflitarem-se com situações onde tenham interpretações específicas (particulares). Mas, sigamos, mais adiante
A combinação de liberalismo e dirigismo estatal na economia, já neste século, torna-se responsável, entre 1950 e 1980, pelo surgimento das sociedades de consumo e bem estar social (Welfare States). Nos anos 80, a crise econômica e os novos parâmetros estabelecidos pela revolução tecnológica colocam em jogo políticas de benefício social dos países desenvolvidos. A resposta a essa realidade surge nos Estados Unidos da América do Norte e na Inglaterra na forma de neoliberalismo.
As idéias de mtq serão analisadas com base em teorias que, embora se apresentem de forma antagônicas (interpretativismo e estruturalismo), demonstram que sua concepção de leis universais careciam de um refinamento e de algum relativismo. Acreditava-se a sua época que o conhecimento científico era infalível e permitia desvendar o curso natural dos fatos. Na modernidade contemporânea o liberalismo enfrenta reações vindas tanto da parte do Estado (new deal, aneel, anatel, etc), quanto da sociedade civil organizada (ongs, partidos, sindicatos, tráfico, etc.).



O ESPÍRITO DAS LEIS
CAPÍTULO VIII
DO MONAQUISMO

‘O Monaquismo acarretou os mesmo males; surgiu nos países quentes do Oriente, onde não se é menos levado a ação do que a especulação.(...) as Índias, onde o calor é excessivo, estão repletas deles; esta mesmo diferença existe na Europa(...)”. A ótica de Montesquieu é determinista geograficamente, pois tenta basear-se numa observação feita sem nenhum rigor científico de observação do sistema de castas. Hoebel e Frost, em dados compilados da coluna 67 do Ethnographic Atlas, dizem que “tanto os sistemas de classe como os de casta apresentam algumas características ou comportamento dos subgrupos de uma sociedade, real ou socialmente definidos, de modos que se pode diferenciar as várias classes ou castas, um critério para marcar os subgrupos sociais é o da raça.” Neste sentido, o trabalho dos dois antropólogos segue a linha de trabalho de Weber, onde á uma coerência analítica é usada como ferramenta para escapar da subjetividade, no caso de Weber a escolha se estabelece no tipo ideal, que aqui aparecerá como raça. Na seção do capítulo 2(op.cit) intitulada A Relação da Raça com a cultura, pp 30-4, ambos salientam “(...) que os antropólogos não tem provas para demonstrar que as diferenças de comportamento entre subgrupos raciais da humanidade são causadas por diferenças biológicas ou genéticas; antes, como o comportamento cultural é apreendido e não geneticamente determinado, as diferenças de comportamento entre grupos à primeira vista fisicamente diferentes de seres humanos podem ser atribuídas à variação das experiências da enculturação e aculturação.”
Concluindo...
O antropólogo francês Claude Lévi-Strauss observa na página 42, As Estruturas Elementares do Grau de Parentesco, “Uma situação análoga pode apresentar-se em outros terrenos. O único meio de eliminar essas incertezas seria prolongar a observação além de alguns meses, ou mesmo de alguns anos. Mas nesse caso ficamos às voltas com dificuldades insolúveis, porque o meio que satisfizesse as condições rigorosa de isolamento exigido pela experiência não é menos artificial do que o meio cultural ao qual se pretende substituí-lo”.
Portanto, ainda que se inaugure um método estruturalista de observação do real, a certeza de se estar realizando algo de infalível contextualização, as particularidades do objeto de estudo deixam de lado a sua própria percepção, sua voz. Ainda que eu demonstre um enorme carinho por alguém como Henry THOREAU, que brindou a humanidade com WALDEN, de 1854, inspirando intelectuais a se insurgirem contra o convencional, tenho clareza que as observações de Thoreau, feitas no melhor intuito de redescobrir a terra e a natureza, são apenas observações que estão no campo de uma produção ideográfica. Elas pertencem a humanidade a humanidade, mas não podem reger leis universais, em detrimento da cultura de cada lugar. Mas não podemos ser uma ciência sem passado: “Uma geração não abandona as conquistas da outra como se estas fossem barcos encalhados(Thoreau).”
O caso de Montesquieu, O Espírito da Leis, guarda outras contradições mais graves. Pois, ele neste livro, sistematicamente recorre para colocar a natureza no contexto político contra o absolutismo, sendo parte integrada a neste contexto, tendo ele mesmo um título de nobreza, mas a sua forma nem sequer pode ser considerada científica em sua forma cultural; pois essencialmente não faz um estudo descritivo dos povos, raça, língua, costumes, etc.: não há uma rigorosa descrição da cultura material de um povo, qualquer um(etnografia). Aron, por exemplo, nos elucida ao criticar Montesquieu de forma geral: ‘Esses textos só podem ser compreendidos, a meu ver, se admitirmos que as explicações da instituições pelo meio geográfico são de tipo que um sociólogo moderno chamaria de relação de influência, e não de relação de necessidade casual. Uma certa cauda torna uma determinada instituição mais provável do que outra. Além do mais, o trabalho do legislador consiste, muitas vezes, em contrabalançar as influências diretas dos fenômenos naturais, em inserir no tecido do determinismo leis humanas cujos efeitos se opõem aos efeitos diretos e espontâneos dos fenômenos naturais; pág 37- As Etapas do Pensamento Sociológico.”
Montesquieu produziu um tratado de leis universais sujeito há recortes locais e, ainda, o fez de forma inconclusa( é bom lembrar que o estruturalismo também não conclui nada em sua totalidade, pois também é estreito não permitindo o relato do próprio grupo social investigado)e genérica, vejamos o olhar de Montesquieu sobre os índios da América.“O que faz que haja tantos povos selvagens na América é o fato de seu solo produzir por si próprio muitos frutos com o qual podemos nos alimentar( Capítulo IX- do solo da América)”. Ora, o universo das regras, mesmo que contextualize a prática neste caso natural da maioria dos povos indígenas das Américas como nômades e, em sua maioria o fossem, é preciso lembrar que a identidade cultural de muitos desses povos está em práticas de subsistência cujo o alvo é a pesca. Os Avacanoeiros, do Mato Grosso, podem ilustrar este exemplo. Finalizando, acredito, que Montesquieu é detentor de uma base factual padronizada em seu tempo histórico, que se estende em todo o século XIX e ainda está presente no senso comum no final do século XX. As pessoas continuam acreditando que os nossos compatriotas baianos, por exemplo, são indolentes e vivem em redes o dia inteiro, “que Deus ajuda o baiano a viver”; mas esta é uma questão que nos remete a um certo sentimento de inveja, caso fosse afirmada como verdade, é claro.


FIM


[1] Ao contrário de Marx, que defendia exatamente a transformação desse establichment.

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