A R Q U I V O
M O R T O
Apresentação: Roni Lima;
Prefácio: Florêncio Pinto da Rosa;
Capa, Contra-capa: Simone Barra,
Diagramação: Márcia de Carvalho,
Revisão: Éber FIgueira,
Impressão: Fábrica de Livros SENAI-RJ
Editora Sinonsen-2000.
Prefácio: Florêncio Pinto da Rosa;
Capa, Contra-capa: Simone Barra,
Diagramação: Márcia de Carvalho,
Revisão: Éber FIgueira,
Impressão: Fábrica de Livros SENAI-RJ
Editora Sinonsen-2000.
Todos os direitos revervados ao autor
BIblioteca Nacional do Rio de Janeiro
BIblioteca Nacional do Rio de Janeiro
Cazuza Vive
Para Dona Lúcia, mãe dele.
Procuro alguém que fale
de um caminho
por dentro de si mesmo
mas avance
Atitude Poética
A nossa ruína é grega
fica combinado assim.
Quinhentos Ônus
Bebendo o suor da Rio Branco
entrei pela Avenida Chile
quase pedi exílio na Paraguai
Nenhum consulado vai me consolar
de United States of América
não quero nada
nem mesmo um terno Panamá
Quero todos os doces da Confeitaria Colombo
pau no burro
pau no lombo
Vou correr frouxo no trânsito
nem terra a vista
nem terra a prazo
fico na beira mar
vou esperar o Cabral
com um pedaço de pau.
Bocas
Para Zé Melo – sax e coração
Boca volúvel cuspiu amor
A vida passando na lavadeira
Disse-me-disse
Roupa suja se lava em casa.
Boca matuta cuspiu mato
Ruminou as ruínas da Grécia
Disse-me-disse
Minas sem ouro algum.
Boca maldita cuspiu política
O fazer para ouvintes é só um verbo
Disse-me-disse
Ditaduras pessoais doem mais.
Boca profana cuspiu versos
Sonetos não são sinos
Disse-me-disse
O pai celestial não lê jornal.
Boca matraca cuspiu balas
Jorram luzes pelos buracos
Disse-me-disse
Quem disse que me calo?
Boca murcha cuspiu dentes
Dormentes não dormem
Disse-me-disse
Passam trens no céu da boca.
Boca louca cuspiu pratos
Vibram vidrilhos nos ladrilhos
Disse-me-disse
O sangue nos pés-de-vento.
Boca calada sopra na calçada
Notas reluzentes em profusa caminhada
Disse-me-disse
Por que não fazer música?
Poesia
Maior que a Ursa Maior
tão grandiosa quanto
um botão
da casa
da camisa
de Deus.
Deus e Ele
A mulher. O céu. A terra. O mar. A montanha. A flor. O Niemeyer.
Enquanto a luz brinca com os cabelos de Joana
É como se eu e você tivéssemos apenas uma mera impressão das coisas. Tudo está no mesmo lugar. Desde sempre, irmão. Um chapéu de palhaço jogado no canto, o sol – que é a única democracia absoluta de fato brilhando – e um monte de aparelhos fazendo o trabalho repetitivamente.
...Ah, sim, há os de cima, os de baixo e os de lado, cantando um troço inaudível pra chuchu! Sei que corremos um certo risco de não estarmos enquadrados... Mas pense bem: o que seria da paisagem sem o nosso olhar comovido e esperançoso? O Toddy Morno. O tédio frio.
...Se um dia alguém perguntar alguma coisa, diga que somos torcedores da raça humana e que aqui estamos de passagem, fazendo turismo sensitivo e ecológico.
Vai ver eles entendem.
Escolas de Sombras
Para Mário Quintana
Senhoras e senhores passou
O poeta passarinho
O amplo recinto da esperança – passou
Falta agora passar o rabo balançando
O cão faminto.
Amanhã sai o resultado.
Tentativa de construir um poema
Conte com você mesmo a toda hora
Permaneça fiel à memória dos seus antepassados
Confie plenamente nos seus defensores
Dê aos detratores da sua pessoa o direito de reconhecerem
a lei da causa e do efeito
Amanheça exaltando a vida sempre
Desfaça o caminho da ilusão
Nunca duvide da justiça divina
Aponha-se à opressão
Divulgue a boa obra
Troque opiniões de modo respeitoso
Seja generoso para com os ignorantes
Esteja limpo com a tua consciência
Ramifique a tua inteligência em ações concretas
de modo a exercê-la em nome da expressão.
Da simplicidade busque o conhecimento de maneira ampla
Escreva procurando atingir o senso comum
sem restringir a linguagem
Tente evitar a idealização do ser amado
Conheça-o bem trocando a verdade
Corrija o rumo sem perder a dignidade
Aprenda a distinguir o belo diante das aparências
Observe sem perder-se com futilidades
Demonstre. Demonstre. Demonstre.
Anos 90
Vamos dar um passinho a frente,
disse o motorista de abismos.
Mas antes alguém pediu para descer no sinal
Talvez intrigado – quem sabe
Com as vanguardas que perderam
A direção do coletivo.
Manifesto para todos
Apatia, dor na consciência, exílio cultural?
Acorda Pascoal!
Não roa a corda, segure as pontas e leia tudo o que cair nas suas mãos ou estiver suspenso em murais. Até bula de remédio, rapaz. A pior coisa que há são rodinhas onde você entra com o ouvido e acaba surdo de tanta abobrinha, pepino e baba em profusão. É um mundo cão, amigo.
Mas não somos cachorros não, democratize. A informação é para circular como um balão, de mão em mão, da ponta do cabelo até o dedão. A qualidade da sua vida não é um departamento da ecologia. É também, basicamente, da relações que freqüentamos. Quando venderem para você a idéia de que você é um chato, desconfie. Segure a barra, observe. A crítica precisa de substância para existir como crítica válida.
Vá em frente!
Inicie sua produção, elabore, pense. Você não está sozinho.
A história de toda a humanidade está em suas mãos, herdada. Pega que é tua. Faça dela o seu caderno, diário, poema, flor, mulher, automóvel, disco voador.
Deixe, enfim, as suas pegadas. Homem.
Nós também não gostávamos de jiló
A luz do sol entrava pela janela gradeada
fazia um jogo da velha sobre a folha branca
veio a mim me levantando pelas orelhas
atravessando comigo a extensão do corredor
O quadro negro queria gritar mas era 1969
A vara de marmelo dava as ordens
Bafo-bafo, porrada, guerra d’água
A gente não imaginava o que era talidomida
Lá fora uns meninos trocavam tiros com a polícia.
Todos estão surdos, cegos e mudos
exceto os mudos, cegos e surdos
que estão vendo, falando e ouvindo
aquilo que interessa transformar.
Crônica 17168
O deputado liberal encontra o social pateta democrata para comer moelas e tomar posse da praça.
O primeiro sobe o palanque e consegue dizer:
“Que a sociedade exige a privada ação dos rebimboques dentro do mundo globalizado enquanto onde tudo depende da inserção do escravo no mundo globalizado”
O segundo diz que tem uma missão
“Que é salvar o mundo do Brasil antes que o Brasil nem mesmo tenha a chance de salvar a cachaça do santo”
O povo desconfia mas não tem a mínima certeza sobre o assunto. Então, aplaude.
Dois ou três caras a esquerda do propositório dormem
“O sono de cinco séculos” – Tradução aproximada: “Do not disturb”
“Quem dá tudo o que tem acaba voltando à condição de nascer de novo”. Assim falou o mentecapto Onofre Faustino de Souza, encontrado apenas de frauda após assalto na rua do Imperador.
“O Imperador não estava nu”. Comentário do guarda n.º de série17168, que socorreu a vítima.
Em seguida passou um rádio para amarea zero. Ali, bem próximo, o Estádio Proletário muda de nome para Moça Bonita.
Falárica*
Se diz tanto.
Falácia de sentimentos
envolta em nuvem etérea
as palavras.
Declarar amor, que fácil!
inútil paisagem de ilusão.
Atirar palavras n’água
tanque estanque de lavadeiras.
Eterno jogo de crianças
palavra bola rola
para cima para baixo
vibrar a parede da memória?
Que tamanho desvalor, senhores!
desmedida sombra paira
quereis falar de encanto?
Empurre velhos ladeira abaixo.
O primeiro homem urrava
que telefone, qual nada!
Primeira regra fenícia:
tudo é mercadoria.
Ora poetas, direis ouvir estrelas?
Pois entrem os anacoretas
vamos atender as baixas
sem nenhum instrumento
em uníssona gargalhada.
*Falárica sf. ‘dardo incendiário’.
Ideário Amoroso
Um amor. Taí algo bom e inatingível. A lua está lá na dela, longe. Um amor necessário. Sem ficar dissecando sapos, do tipo que aprendeu na escola, ou disseram que homem é tudo igual e achou bonito de dizer. Um amor sem pressa, exageros, cólera e creme nívea. Daqueles que só existem coabitando com o mundo, mas não levando o mundo para cama. Eta amor difícil! Vai ver está procurando também e por um tantinho desencontrou, perdeu o metrô, o tempo, a vida toda esperando. Um amor, um leque de papel chinês. A mão direita acenando. A mão esquerda rebolando os quadris, para manter tudo quente, neste caso, um amor para sempre. Um amor. Um amor qualquer, que me chame de Rimbaud, de Baudelaire, do nome que convier. Daria tudo para ter um amor assim. Um amor. Um amor vagabundo vestido de páginas clássicas, encantamento, cores, arrepios, e preces para durar enquanto o sândalo rastilhe a dignidade do ar. Um amor. Um amor pensado levemente quando ausente. Um amor que guarde segredos. Um amor que revele a si mesmo como um caminho escolhido por vocação do prazer. Um amor que leia o olhar e tire os óculos d’alma para enxergar sem preconceito, sem o massacrante racionalismo materialista , que seja receptivo como a flor diante da abelha. Uma amor que cante como uma Maria Louca renovando a esperança quando acorda para um nono dia. Um amor que erre, fracasse e nunca passe pela vergonha de se acomodar. Um amor que tente encontrar uma solução para tanto desamor, que não cesse de brilhar e creia na verdade intuitiva dos bichos. Um amor que comemore a vida e despreze a culpa, que use a atenção para evitar as armadilhas ilusórias do capital. Um amor produtivo que faça como meta a cooperação. Um amor simples como beber água nas conchas das mãos. Um amor que seja digno da palavra. Um amor que tire a máscara e vá dançar um tango. Um amor que goste de caminhar. Um amor que mereça os passos do homem na lua. Um amor que traga o araudite para consertar a lira mágica de Orfeu. Um amor cuja a única virtude seja ter as mãos vazias. Um amor para aplaudir quem sonha por sua chegada.
Dentro da Asa Morna do Vento
Nós estamos dentro do mundo.
Mas o mundo não está dentro de nós.
Dexter Gordon
Around midnight
Dentro do mundo
cabe falar o necessário
A todos os ouvidos mercadores
para não ter que voltar atrás
Ao tempo que vendiam homens
para carregar vaidades.
O mundo não está dentro de nós
por opção do por do sol que põe
ovos vermelhos e depois desmaia
de tanto esforço desnecessário.
Para a maioria que só vê
o umbigo avaliado como
coisa balançada de propósitos
duvidáveis enquanto a nossa
parte cabe ao rebolado para
ser a máxima expressão
do chacoalhar de um bater
de asas em mansa e reta
retirada.
Cura
Doutor esqueça o isordil
receite duas cápsulas de blues por noite
e alguém para apertar o play do amor.
Manifesto Bacalhau
Sem medo do erro. Certos ou errados, acertar tentando! Porque em nome da eficácia, fria é a lápide onde repousa a epígrafe: aqui jaz aquele que passou sem dar um único passo descuidado, o coitado viu de perto a morte ainda inacabado... Enquanto a vida ainda propicia sua dinâmica de laços fraternos, perdão e audácia, dizendo: faça! Pegue o leme! A direção do barco! Vai! Construa a tua arca com fibra ótica, garrafa, bilhetinho dentro em caso de naufrágio explicando tudo: “ – morri afogado cantando fado por devoção a portuguália afiada”. E nem um deles deu por encerrada a jornada. Nem mesmo meu fantasma, o gajo acha ainda que é um batizado com exagero d’água. CAMÕES BABY! Ora, pois estamos todos fartos de roubadas. Não queremos os paus-brasis sobrados. Nem a soberba dos vencedores instalados. Mas por que não, outra vez, o Caminha com as Índias vencidas. Só para ver se acertamos de vez nosso destino, sem tanta água rolada no azeite da mulata exportada. Passar a limpo o mapa. Olhando as estrelas debochadas encerando o convés da Terra pra que a gente escorregue de vez em mares nunca dantes navegados pela palavra. CAMÕES BABY! O único porto que me cabe é o vinho DO PORTO. E o armarinho prateado do Roberto AZUL-MARINHO é pequenino, já não fala a nossa língua afiada. Salta aí um bacalhau! A Elvira do Ipiranga enfim vai chacoalhar as margens plácidas. Neste boteco à beira do novo século. Atrevido. Atávico. Tamanho do nosso tamanco em desmedida revoada. Cá em cima tem um tiroliroliro e lá em baixo tem um tirulirulá.
Posição
Para a geração 70
A única posição possível, neste fim de século, consiste em estar plantado acima de todas as contradições, para nascer uma esperança da mais alta e nobre árvore dialética.
Expressão
Não fique a esperar o dia em que a grande obra chegará. Fazer parte do diálogo entre corações abertos é por si só uma sublime tarefa. O imaginário é um campo de liberdade fértil. É um verdadeiro esteio, nele o poeta caminhará deixando para trás versos a germinar. Nenhuma indústria, por mais poderosa, será capaz de sobrepor este ciclo da natureza humana. Há alguma coisa acontecendo independente do acabamento, que não é produto, sendo que está cumprindo a meta sem preocupações com mercados. É o que move. Tendo uma engrenagem suspensa no ar, é tão fiel a verdade, que a chamarão de pura. Mas não, quem realmente a conhece sabe seu nome: Expressão!!!
Instituto Zeferino de Oliveira, 15h, 5 de Julho de 1974
Tratamento dentário suspenso para as crianças da Guanabara
Perdi meus dentes numa cadeira de dentista de um bairro sujo. Levei um bom tempo para voltar às ruas. Ouvi Beatles num rádio de válvula que demorava para esquentar, nele Piaf ainda canta na minha cabeça numa edição meio arranhada. Descobri que não há nada mais colorido, para quem não teve tempo para dedicar-se ao arco-íris que a multiplicidade de cores da feira livre. Lembro do meu pai enquanto descíamos em direção ao cruzamento numa bicicleta alemã sem freio, falar para de modo algum dar adeusinho se visse algum amigo. Ele mau sabia queu não tinha nenhum. Eram todos matadores de passarinhos e eu já tinha feito a minha primeira escolha. Tive uma infância bem pobre que nem de perto superava a miséria que a minha mãe e meus tios passaram com o meu avô durante meses dormindo na Central do Brasil e pedindo esmolas para comprar pão. Tive uma calça Lee de segunda-mão com detalhes de ressentimentos. Tomei sopa de alho com marujo sobrevivente do cerco à Madri. Botei pra correr a TFP que distribuía uns papéis no centro da cidade. Foi bonito ver aqueles estandartes no chão da avenida que eles nos tiraram. Tenho uma lista de caras que sabem das coisas que aumenta muito pouco agora. Arranjei emprego em jornal pedindo carona. É preciso que cada um carregue o seu próprio divã nas costas com a maior humildade possível. Também perdi Eurídice. Continuo sabendo bem mais do que deveria, agradecendo a Deus por jamais me ter imposto fronteiras covardes queu não pudesse morder mesmo sem dentes.
Vira-lata
Plantei versos em mato sem cachorro
Puseram poste
Colei metáforas vira-latas.
Inventário Cineclubista
Para os manos de Jean Renoir
Todos os meus erros estão passando num cinema poeirinha do interior d’alma.
Estamos todos dentro de uma
caixinha de surpresa.
chamamos isto de metafísica
mas é só encanto e susto.
Rafhael
Meu anjo, diz uma coisa pra mim,
como é segurar as barras minhas?
como é ter que ouvir minha
vitrolinha
e aquela agulha pulando
feito uma fagulha
tanta honra assim,
deus mereço eu?
tê-lo pelos bares,
você não morre de tédio?
Desculpe, meu anjo, você está noutra
sei...
e quando danço como um louco
rodando como um ventilador
de teto
Ah, meu bom...
você sabe que eu tomo chuva,
que não levo desaforo para casa
e ainda me empresta as asas
para enxugar as lágrimas?
Olha, quando for meu dia,
mesmo que eu tenha bico-de-papagaio,
prometo que vou dar um tremendo lustro
nos teus sapatos.
Tão Gente
Gente que fica olhando como se você
fosse uma mosca dourada,
o sentimento de pegar a mosca,
como coisa repugnante
e aprisionar como coisa de valor.
Gente para saber se você vai de
mal a pior,
Dando o mínimo de importância
para reproduzir a
infelicidade como coisa certa
e líquida como a saliva.
Tendo tanta sorte assim
você só precisa estar morto
para ouvir a mesma conversa
sobre os valores que deixou,
como um suporte para pendurar
a camisa.
Gente que necessita saber onde
você será enterrado
para dizer pra tua família
que você foi acima de
tudo
gente.
Sou um Samba de roda-gigante
Marinheiro de Argos
Pequena ceifadora de luas
Fazei-me no ofício a leitura tua
Ardes, bem sei, minha
Literatura de soberbo sol.
Ah pequena de beijos...
Quando bem sabes desejo
derramar a amargura tua.
Dizei antes da derradeira lua,
podeis incendiar memórias?
Ata-me ao fogo dos joelhos
Poeta que pareço de cem anos atrás.
Se quereis sonetos, leia-os!
Clarividente girassol, teço-os!
Tu que agora sentes o preço,
do suspirar de mascates dos verbetes.
Leia-me tão completamente
Sem que possas ir-se impunemente
Ver-se em outro que não vês
Longe do fogo iridescente teu.
Podeis voar a cortar luas?
Escolher escolher-se pedra nua?
Fazer-se véu a cobrir brandura?
Se podeis...
Há muito não importa a chaga
Se és da lira
sou camisa rota
Se sabeis dê-se ao passo infinito
Sobre o leito do peito meu
imenso é o rio de rastilhos
Gozo de louvor e ritmo
dentro e fora do papel.
Desgramático
Ponho a vírgula onde achar necessário
Exclamo quando quiser
Interrogo muito além do porquê
Quer saber?
Sou reticente...
E não creio em ponto final.
Nunca usei o trema
Não fixo parágrafo
E se pudesse revolucionar
Meus dois pontos estariam
Lado a lado.
Páreo Duro
Para Roni Lima
Fumar um cigarro e correr para apostar
Formiguinha Amassada No Sofá,
É o quinto páreo, gosto do nome.
Alguém do meu lado,
é barbada!
Lá vai ela,
raia pesada,
em solavancos de sadismo,
como num trem,
num ônibus,
barca em mar bravio,
corre a formiguinha.
A cem metros de chegada,
a imagem da puta do terceiro páreo,
me deixou na mão pensando na Lídia Brondi,
indago-me o porquê do continuar apostando em éguas,
Formiguinha Amassada No Sofá atropelando no final,
um, dois, três, quatro, cinco mil corpos celestes,
Formiguinha quebra a pata,
Formiguinha se arrasta,
Formiguinha é sacrificada,
uma imagem vale mais do que mil palavras?
Frases D’efeito
Eficácia que só tem um lado é roubo.
Todo canalha tem um modo prático de piorar as coisas.
Se você encontrar a cigarra por aí, diz para ela continuar cantando, até arrebentar com todas as estruturas surdas.
A maçã do marketing é de plástico.
A única ilusão aceitável é o algodão doce.
O silêncio é a arte de fazer barulho com substância.
O silêncio é apenas o caos descansado do almoço.
A voz da minha consciência anda falando sozinha.
Camões, baby!
Preciso de você para prosseguir perdido no mundo. Como quem encontrou o lugar certo para perder-se definitivamente.
É preciso construir a ponte entre gerações, levando em conta a presença interativa da arte, sem ocultar jamais a liberdade da escolha, os bens para a produção e o ensinamento irrestrito do método.
Ou a cultura e a educação andam juntas, sem esquecer de olhar para todos os lados na hora de atravessar a vida... Ou aparece um caminhão desgovernado para atropelar a civilização.
Toda experiência humana no campo das artes deveria ser repassada, desde o primeiro momento que berramos saindo do ventre da mãe. Deste modo sairão as futuras gerações cantando um blues. O médico usará as mãos apenas para aplaudir.
Comunicados. Comunicados. Comunicados. Até quando necessário for, estaremos emitindo comunicados que aproximem o homem de si mesmo.
A ordem dos fatores não altera o produto do meio fio.
O pior inimigo é aquele que se esconde atrás de uma imagem institucional.
O homem opta pela fome e um silêncio fundo, que mata a coragem antes de agir como homem.
Um país fazia-se com homens e livros.
Cadê o país?
Foi por ali.
Cadê os homi?
Foi por ali.
Cadê os livru?
Desescreveru.
Nós aprendemos a sorrir no meio da lágrima.
Mariana
Mariana tem nos cabelos
um brilho de cidade antiga
uma peraltice meio sacana
um pouco de Maria
e um pedacinho de Ana
Mariana é um ciclo de ouro
que faz pouco do anjo barroco
brinca com ele
no seu lado torto
Mariana mistura tintas
colore gente,
que fantasia
a vida em preto e branco
voa Mariana!
que a vida é feita para quem sabe voar
Andar
É preciso prosseguir diariamente buscando encontrar-se antes de dar-se ao outro pela metade. A metade de um vaso quebrado é incapaz de guardar a água e reter a flor. É quase nada. Mas se a cada dia, incessantemente, caminharmos, na direção do nosso próprio encontro, deixaremos para aquele que chega o tacho da melhor água. E também a luz definida, tranqüila, para repouso do viajante cansado.
Caminhemos, pois, sem culpa alguma. Deixemos para trás o peso das horas de jornada, o fardo do convencimento geral e os erros que erramos por inocência combatendo os efeitos e esquecendo das causas. Humanos, definitivamente humanos é o que somos e , portanto, capazes de prosseguir na direção da correção do rumo. Viver vale a pena. Navegar vale muito mais. E estamos conversados, até que Deus nos junte, com seu araudite para almas de borracha definitivamente. Tenho dito, assino em baixo e dou fé.
Alguém que anda por aí.
Tiro ao Álvaro
O meu eu
encontrou o teu
tentando passar um e-mail
pra você de Viena.
Passam em mim dois rios
o de Janeiro
e o Rio Grande
Comer Pessoa
Para Adriana Calcanhoto
A média do pensamento desconhece o biscoito de amêndoa português.
Mundo Cão
Atriz compra papelaria
só para garantir
o papel.
Go Home
Entrega a tua rapadura
enquanto observo o movimento
dos passantes sem dentes desfraldarem
um sorriso bandeira
para os soldados e os cães em fileira.
Poema para Heloísa
Talento era uma moeda
que não pagava o ingresso
para ver os Rolling Stones
da época.
Bandida
Dentro de mim
tem um anjo
rabiscando indecências
quando vê você passar
impunemente.
Quem planta caminhos
colhe horizontes.
colhe horizontes.
Mãe
Não se perde madrugadas
ganha-se alvoradas.
É bom perguntar
primeiro a quem
interessa viver
de aparências
enquanto a alcatéia
avança.
O Circo
As horas passam sem que tenhamos tempo de consultar o relógio.
Tudo é só salto sobre todos os riscos.
Nenhuma rede abaixo do trapézio.
Nada.
É o momento de parar o circo.
Ainda há a possibilidade de soltar os bichos!
Ir de frente para o público sem ensaiar a verdade.
Mandar todo mundo para casa sem maiores conseqüências...
O Espetáculo está temporariamente suspenso:
Até que o palhaço volte a sorrir;
Até que tenhamos a certeza de que estamos fazendo a coisa certa com o leão;
Até a mulher barbada fazer a barba;
Até o homem que engole fogo tomar um copo d’água boa;
Até que o anão volte a crescer;
Até o atirador de facas parar de tremer diante do alvo;
Até que o elefante volte para a África;
Até você e eu voltarmos a sentir alguma emoção que pague o ingresso e a pipoca.
Um Táxi Para Miles
Reconheci uma mulher louca dentro do corpo de outra normal. Bem na hora pedi a Deus, com emoção, que devolvesse aquele corpo à creptante brasa que ali adormecia. Olhei bem no fundo daqueles olhos e vi a doida solta dançar em nome da tarde e da liberdade dos amantes do planeta azul em que nascemos. Ela cantou com as lavadeiras do rio São Francisco, estendeu roupas coloridas sobre o sol de junho e depois brincou de rodas com as crianças que já não tinham medo dos monstros que a normalidade cria. Encontrei com ela no fim da noite e bebemos vinho com o luar acima das nossas cabeças altas, bem perto do fogo. Nos amamos até a última gota do orvalho, que caía sobre os nossos corpos suados madrugada adentro. Acordamos e partimos para lutar todas as lutas d” alma, nos apoiando na dignidade do dia que nascia livre, como certos homens que não se dobram como sino das igrejas. Desconcertados e completamente felizes, percebemos que o paraíso estava vivo e agradecido de nos ter de volta ao fruto proibido. Deus, então, finalmente sorriu e depois daquele dia voltou a tocar com Miles Davis.